Do clima à chávena: porque é que o seu café custa cada vez mais
- diogoalmeida76
- Apr 16
- 4 min read
Updated: Apr 17

Más notícias para os amantes de café: o preço da sua bica matinal poderá ficar mais amargo ao longo de 2025 — e as alterações climáticas estão no centro desta tendência.
O preço de referência do café arábica — a variedade mais consumida no mundo e o principal indicador dos mercados internacionais — mais do que duplicou no último ano, com 25% dessa subida registada apenas desde o início de 2025. Em fevereiro deste ano, ultrapassou pela primeira vez os 4 dólares por libra, atingindo um pico histórico de 4,41 dólares. Apesar de um ligeiro recuo desde então, impulsionado pelo aumento das exportações do Brasil e pelo reforço dos inventários globais, a volatilidade continua a marcar o mercado.
Embora os aumentos ainda não se reflitam totalmente nos preços finais ao consumidor, a tendência é de subida contínua, com vários especialistas a alertar que os preços do café deverão continuar a subir nos próximos meses.
Por trás desta pressão está uma realidade cada vez mais evidente: as alterações climáticas estão a afetar profundamente o sistema de produção de café. Os custos aumentam ao longo de toda a cadeia, desde as plantações até à chávena, colocando um peso crescente sobre quem produz e quem consome. Mais do que um problema de mercado, trata-se de um sinal claro do impacto direto da crise climática no nosso dia a dia.
Porque continua o preço do café a aumentar?
Nos últimos dois anos, os mercados de café registaram subidas de preços sem precedentes.
Colheitas abaixo do esperado no Brasil e no Vietname, instabilidade nas cadeias de abastecimento e aumento dos custos de produção esgotaram os stocks mundiais. A isto junta-se uma escassez global de mão de obra para a apanha, custos de fertilizantes inflacionados pela guerra na Ucrânia e perturbações logísticas que se prolongam desde a pandemia. Além destas limitações na oferta, a procura global por café continua a crescer. Por exemplo, o consumo na China — o país mais populoso do mundo — aumentou 150% em 10 anos, segundo o Departamento de Agricultura dos EUA.
Mas o fator mais relevante e transversal é o impacto das alterações climáticas. De acordo com um estudo da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), o clima extremo tem sido um dos principais impulsionadores deste aumento nos preços do café. A frequência e intensidade de fenómenos extremos — como secas severas, chuvas torrenciais, inundações e doenças nas plantas — está a reduzir drasticamente o rendimento agrícola nas principais regiões produtoras.
O Brasil enfrentou a pior seca dos últimos 70 anos, com escassez de água e dificuldades nas colheitas. No Vietname, a seca prolongada foi seguida por inundações devastadoras causadas pelo Tufão Yagi, agravadas por padrões climáticos alterados. Em 2024, o país registou uma queda de 20% na produção de café, enquanto a produção brasileira foi revista em baixa para uma quebra de 1,6%, contrariando previsões otimistas. Já a Indonésia, outro grande produtor, também sofreu perdas significativas.
Além disso, as alterações climáticas têm fomentado o aumento de doenças nas plantações de café, como a ferrugem do cafeeiro, que afeta gravemente a saúde das plantas, resultando em maiores perdas para os agricultores. As perdas nas colheitas e a volatilidade da produção de café são previsões cada vez mais frequentes à medida que o clima continua a mudar.
Estes problemas agrícolas são agravados por tensões geopolíticas. O conflito no Mar Vermelho entre Israel e o Hamas interrompeu o tráfego marítimo — 30% dos contentores passam por esta rota — causando atrasos, incluindo a chegada de até 5 mil milhões de sacos de café à Europa.
A União Europeia, por sua vez, prepara-se para aplicar o Regulamento Europeu Anti-Desflorestação (EUDR), que proíbe a comercialização de produtos associados à desflorestação, com aplicação direta em todos os Estados-membros e consequências pesadas para quem não o cumprir. Esta medida visa reduzir as emissões de gases com efeito de estufa e a perda de biodiversidade, e poderá restringir ainda mais a oferta de grãos de café.
Impacto nos produtores, comerciantes e comportamento dos consumidores
Os mais vulneráveis a estas mudanças são os pequenos produtores, que representam cerca de 80% da produção mundial. Em países como o Brasil, Etiópia ou Vietname, muitos agricultores enfrentam dificuldades para manter as suas produções viáveis, sem recursos para investir em tecnologias de adaptação.
A organização Christian Aid alerta que estes agricultores, que contribuíram muito pouco para o aquecimento global, são quem mais sofre com os seus efeitos — e pede que os países ricos cumpram as suas promessas de apoio climático, investindo em culturas resilientes e diversificação de rendimento.
Por sua vez, o aumento dos preços está a forçar empresas de café e comerciantes a reorganizarem os seus orçamentos e estratégias. Alguns já estão a subir os preços do café; outros estão a explorar modelos alternativos, como blends mais acessíveis, origens premium, vendas de equipamento e subscrições, antecipando uma redução no consumo fora de casa.
No lado positivo, a subida dos preços poderá, em certos contextos, beneficiar os produtores. Se o preço do arábica atingir os 7 dólares por libra, muitos pequenos agricultores poderão, finalmente, cobrir os seus custos e reinvestir nas explorações, melhorando rendimento e qualidade. No entanto, essa janela de oportunidade poderá ser curta, já que os mercados de commodities são, por natureza, voláteis. Preparar estratégias sustentáveis de longo prazo será essencial para evitar novas crises.
O que esperar do futuro?
Se os padrões climáticos extremos persistirem, como tudo indica, a produção global de café continuará a sofrer.
A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) estima que, mesmo que o aquecimento global seja limitado a 1,5ºC ou 2ºC, a área de terras adequadas à produção de café poderá reduzir-se em até 54,5%. Isto terá consequências devastadoras para a oferta global e para os milhões de pessoas que dependem do café como meio de subsistência.
Garantir a sustentabilidade da indústria do café requer ação urgente. É fundamental apoiar a adaptação climática dos pequenos produtores, reforçar as políticas globais de redução das emissões, promover a agricultura regenerativa e a implementação de tecnologias agrícolas resilientes, e repensar os modelos económicos baseados apenas na competitividade e baixo custo.
A subida do preço do café pode ser apenas o início de uma série de choques sistémicos. A forma como agirmos agora — enquanto consumidores, empresas e governos — definirá o futuro desta bebida milenar que tanto gostamos.
Comments