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Inteligência Artificial: ferramenta de transição verde ou motor de colapso acelerado?


A integração da inteligência artificial (IA) nas nossas vidas é a mudança mais significativa no mundo online em mais de uma década, com centenas de milhões de pessoas a recorrer regularmente a chatbots para tarefas como trabalhos escolares, investigação, programação e criação de imagens e vídeos.

 

O entusiasmo em torno da IA generativa é inegável, com benefícios que vão desde o aumento da produtividade até ao avanço da investigação científica. Além disso, surge uma renovada esperança de que a IA possa desempenhar um papel importante na resposta às alterações climáticas.


No entanto, esta promessa convive com uma realidade menos discutida: o impacte ambiental crescente da própria tecnologia. A rápida implementação de modelos de IA em diversos setores levanta sérias preocupações ecológicas



Os centros de dados que sustentam estes sistemas consomem grandes volumes de eletricidade, água e recursos minerais raros, contribuindo para emissões de gases com efeito de estufa, gerando resíduos eletrónicos e, muitas vezes, agravando desigualdades sociais ao afetarem comunidades vulneráveis.


A OpenAI e o Presidente Donald Trump anunciaram a iniciativa Stargate, que prevê um investimento de 500 mil milhões de dólares para construir centros de dados. A Apple anunciou que irá gastar 500 mil milhões de dólares em fabrico e centros de dados nos EUA nos próximos quatro anos. A Google espera gastar 75 mil milhões só em infraestrutura de IA em 2025. A Meta e a Microsoft estão a investir em novas centrais nucleares.


As conversas sobre IA tendem a focar-se na ética, segurança e eficiência, mas é crucial que a sustentabilidade ambiental ganhe igual destaque nas discussões sobre o desenvolvimento e aplicação responsável da tecnologia. À medida que o uso da IA cresce, também cresce a urgência de refletir sobre como esta pode simultaneamente mitigar e contribuir para os desafios ambientais do nosso tempo.



O potencial da IA na mitigação da crise climática


Muitos especialistas e organizações acreditam que a IA pode tornar-se uma ferramenta poderosa na luta contra as alterações climáticas, a perda de biodiversidade e a poluição — os três grandes desafios ambientais da atualidade.

 

A força da IA está na sua capacidade de analisar enormes volumes de dados, identificar padrões invisíveis ao olho humano e prever resultados com base em tendências históricas. Esta capacidade analítica torna-a extremamente útil para monitorizar o estado do planeta e tomar decisões mais rápidas, precisas e sustentáveis.

 

Entre as aplicações mais promissoras da inteligência artificial no combate à crise ambiental, destaca-se a sua capacidade de monitorizar em tempo real a qualidade do ar, da água e do solo, identificando rapidamente fontes de contaminação. Outro contributo relevante é a previsão de fenómenos meteorológicos extremos, através da análise de grandes volumes de dados atmosféricos.

 

No campo da inovação, acelera a criação de novos materiais sustentáveis, menos poluentes e energeticamente mais eficientes. Por fim, permite calcular com maior precisão a pegada de carbono ao longo das cadeias de abastecimento, apoiando as empresas na identificação de oportunidades para reduzir emissões.


Contudo, como afirmou Golestan (Sally) Radwan, Diretora Digital do Programa das Nações Unidas para o Ambiente (PNUA): “Temos de garantir que o efeito líquido da IA no planeta é positivo antes de implementarmos a tecnologia em grande escala.”

 


O Custo do Processo de Treinamento de IA


Para compreendermos o impacte ambiental da inteligência artificial, precisamos de compreender que a grande maioria do trabalho realizado por modelos de IA acontece em centros de dados — edifícios que abrigam servidores e sistemas de arrefecimento. Estima-se que existam cerca de 3.000 centros de dados apenas nos Estados Unidos, geridos por empresas de tecnologia como Amazon, Microsoft, e Google, mas também por startups de IA.


O treinamento de um modelo de IA envolve um processo extremamente intensivo em recursos. Antes de poder interagir com um modelo de IA para, por exemplo, gerar um texto ou planear uma viagem, este passa por um longo e custoso processo de treinamento em centros de dados.

 

Durante meses, servidores são utilizados para ingerir grandes volumes de dados, realizar cálculos complexos e ajustar parâmetros, um processo que consome muitos recursos. Por exemplo, estima-se que o treinamento do GPT-3 tenha consumido 1.287 megawatt-hora de eletricidade, suficiente para abastecer 120 casas nos EUA durante um ano, e gerado cerca de 552 toneladas de dióxido de carbono.

 

Após este treinamento, o modelo está pronto para ser usado.

 


A Fase da Consulta


A inferência é o processo onde o modelo, já treinado, recebe novos dados, como perguntas ou pedidos, e gera uma resposta baseada no que aprendeu durante o treinamento. Ou seja, é quando os utilizadores interagem diretamente com o modelo de IA, seja para gerar um texto, resumir um artigo ou responder a uma consulta.

 

Existem diversas estimativas sobre a pegada de um pedido individual envolvendo IA; alguns sugerem que é relativamente pequena, mas a realidade é que esta questão é mais complexa do que aparenta à primeira vista. Se já viu gráficos a estimar o impacte energético de colocar uma pergunta a um modelo de IA, pode pensar que é como medir o consumo de combustível de um carro: um valor claro e uma metodologia partilhada. Mas não é assim.

 

Quando faz uma consulta à maioria dos modelos de IA — seja no telemóvel através de uma app como o Instagram, seja no ChatGPT — muito do que acontece depois de a sua pergunta ser encaminhada para o centro de dados permanece secreto. Fatores como o centro de dados onde o pedido foi processado, a energia necessária para o fazer e a intensidade carbónica da eletricidade usada são conhecidos apenas pelas empresas que operam os modelos.

 

O que sabemos atualmente é que a rede elétrica a que o centro de dados está ligado ou a hora do dia podem fazer com que uma consulta seja milhares de vezes mais intensiva em energia e emissões do que outra. Portanto, o mesmo pedido a um modelo de IA pode ter impactos climáticos muito diferentes, dependendo de onde e quando é processado, o que dificulta a estimativa da geração de CO2 por cada pedido (ou por milhões de pedidos diários). Isto aplica-se à maioria dos modelos de marcas conhecidas, como o ChatGPT da OpenAI, o Gemini da Google ou o Claude da Anthropic. Sem mais divulgação por parte das empresas, é difícil termos boas estimativas.


No entanto, estimativas da Agência Internacional de Energia indicam que um pedido feito ao ChatGPT, por exemplo, consome dez vezes mais eletricidade do que uma simples pesquisa no Google.



O Custo Ambiental dos Centros de Dados

 

Os centros de dados de IA exigem energia constante 24 horas por dia, 365 dias por ano, para garantir a disponibilidade contínua dos serviços de IA. Isso significa que não podem depender apenas de fontes de energia intermitentes, como solar ou eólica. Desta forma, os centros de dados geralmente dependem de fontes de energia mais poluentes, como o gás natural e o carvão.

 

Um estudo preliminar da Escola de Saúde Pública T.H. Chan de Harvard concluiu que a eletricidade usada por centros de dados tem uma intensidade carbónica 48% superior à média nacional dos EUA. A dependência de fontes não renováveis para a alimentação energética desses centros contribui para as emissões de gases de efeito estufa, intensificando os desafios climáticos globais.


Segundo previsões do Lawrence Berkeley National Laboratory publicadas em dezembro, em 2028 mais de metade da eletricidade dos centros de dados será usada para IA. Nessa altura, só a IA poderá consumir anualmente tanta eletricidade como 22% dos lares dos EUA.


Mas o impacte energético desses centros de dados vai além do uso de eletricidade. Muitos utilizam enormes quantidades de água (frequentemente potável) para os seus sistemas de arrefecimento, com alguns centros gastando milhões de litros de água por dia. Este consumo de água é particularmente preocupante, considerando que um quarto da população mundial não tem acesso a água potável.


Além do consumo de eletricidade e água, a produção de hardware especializado, como GPUs e chips avançados, também tem um custo ambiental. Para fabricar um simples computador de 2 kg, são necessários cerca de 800 kg de matérias-primas, muitas das quais são extraídas de forma ambientalmente destrutiva.

 

O processo de extração de metais raros e minerais essenciais para a produção de chips pode causar danos irreparáveis aos ecossistemas. Além disso, ao final do ciclo de vida dos dispositivos, o lixo eletrónico gerado contém substâncias tóxicas como chumbo e mercúrio, representando um desafio adicional para a gestão ambiental.



Impacte Social e Questões Éticas

 

A construção de centros de dados em locais estratégicos, frequentemente em regiões rurais ou economicamente desfavorecidas, levanta questões sobre justiça social e ambiental.

 

Muitas vezes, essas áreas já enfrentam dificuldades com acesso a recursos essenciais, como água potável e energia, e a instalação desses centros exacerba esses problemas. Além disso, as comunidades locais podem sofrer com a degradação ambiental, a escassez de recursos e o aumento dos custos de serviços essenciais.

 

De acordo com Tamara Kneese, directora do programa Climate, Technology and Justice do think tank Data & Society, "as comunidades à volta dos centros de dados estão a ser sacrificadas por uma IA futura especulativa, muitas vezes pagando o preço através de subsídios públicos, perda de acesso à água e aumento dos custos da energia."

 

Esses impactos têm consequências diretas na qualidade de vida das populações locais, que muitas vezes não recebem os benefícios diretos dessa tecnologia, que é, em grande parte, voltada para mercados distantes.

 

 

O que o mundo pode (e deve) fazer?


A trajetória atual das emissões de carbono da IA sugere que, sem uma intervenção significativa, o impacto ambiental só irá aumentar à medida que a tecnologia se generaliza.

 

Combater esse impacto exigirá uma ação coordenada entre empresas de tecnologia e responsáveis políticos, juntamente com a pressão dos utilizadores para a implementação de práticas e tecnologias mais sustentáveis.

 

O sucesso dependerá da inovação contínua em computação energética eficiente, no design sustentável de centros de dados e na adoção generalizada de fontes de energia renovável. Além disso, é urgente que as instituições reguladoras tratem o setor da IA de forma independente nas projeções energéticas, assegurando um planeamento adequado para o seu crescimento.

 

 

O que podemos fazer individualmente?


A investigação atual sugere que grande parte do impacto ambiental da inteligência artificial não provém do que fazemos conscientemente — como pedir a um chatbot que resuma um artigo —, mas sim de um uso invisível e sistemático: os algoritmos que personalizam os nossos feeds nas redes sociais, recomendam vídeos, filtram e-mails, priorizam anúncios ou gerem a logística de empresas e cidades inteiras.


Ainda assim, cada um de nós tem a responsabilidade de agir para reduzir a sua pegada ecológica associada ao uso dessa tecnologia. Podemos contribuir para a minimização desse impacto ao adotar uma abordagem mais consciente e responsável, através de práticas como:

 

  • Usar IA apenas em tarefas mais complexas: Em vez de recorrer à IA para tarefas simples e rotineiras, podemos optar por métodos mais ecológicos, como pesquisas manuais.

  • Escolher o modelo adequado: Optar por modelos mais leves e eficientes em termos energéticos para tarefas do dia a dia.

  • Ser conciso nos pedidos: Pedir respostas claras e objetivas, para evitar que os modelos gastem mais energia processando comandos vagos ou longos.

  • Reaproveitar conteúdos: Adaptar textos ou respostas geradas anteriormente, em vez de gerar tudo de novo.

  • Fazer pausas no uso intensivo: Evitar sessões prolongadas de IA sem reflexão ou pausa, utilizando-a de forma mais eficiente.

 

A trajetória futura da IA está na interseção entre a inovação tecnológica e a sustentabilidade ambiental — e todos temos um papel a desempenhar para garantir que essa balança seja mais equilibrada.

 
 
 

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